terça-feira, 1 de março de 2011

O Aleph de Borges

Jorge Luis Borges (imagem de www.oaleph2008.blogspot.com)

Com a citação de que "o tempo é para a eternidade o que o aleph é para o espaço", de Borges, reproduzo a seguir trechos de "O Aleph -Observatório literário" (www.oaleph2008.blogspot.com):

O que Borges viu no Aleph ?
“Vi o populoso mar, vi a aurora e a tarde, vi as multidões da América, vi uma prateada teia de aranha no centro de uma negra pirâmide, vi um quebra­do labirinto (era Londres), vi intermináveis olhos próximos perscrutando em mim como num espelho, vi todos os espelhos do planeta e nenhum me refletiu, vi num pátio da Rua Soler os mesmos ladrilhos que, há trinta anos, vi no saguão de uma casa de Fray Bentos, vi cachos de uva, neve, tabaco, listas de metal, vapor de água, vi convexos desertos equatoriais e cada um dos seus grãos de areia, vi em Inverness uma mulher que não esquecerei, vi a violenta cabeleira, o altivo corpo, vi um cancro no peito, vi um círculo de terra seca numa vereda onde antes existira uma árvore, vi numa quinta de Adrogué um exemplar da primeira versão in­glesa de Plínio, a de Philemon Holland, vi, ao mesmo tempo, cada letra de cada página (em pequeno, eu costumava maravilhar-me com o facto das letras de um livro fechado não se misturarem e se perderem no decorrer da noite), vi a noite e o dia contemporâneo, vi um poente em Querétaro que parecia reflectir a cor de uma rosa em Bengala, vi o meu quarto sem ninguém, vi num gabinete de Alkmaar um globo terrestre entre dois espelhos que o multiplicam indefinidamente, vi cavalos de crinas redemoinhadas numa praia do mar Cáspio, na aurora, vi a delicada ossatura de uma mão, vi os sobreviventes de uma batalha enviando bi­lhetes-postais, vi numa vitrina de Mirzapur um baralho espanhol, vi as sombras oblíquas de alguns fetos no chão de uma estufa, vi tigres, êmbo­los, bisontes, marulhos e exércitos, vi todas as formigas que existem na terra, vi um astrolábio persa, vi numa gaveta da escrivaninha (e a letra fez-me tremer) cartas obscenas, claras, incríveis, que Beatriz dirigira a Carlos Argentino, vi um adorado monumento na Chacarita, vi a relíquia cruel do que deliciosamente fora Beatriz Viterbo, vi a circulação do meu escuro sangue, vi a engrenagem do amor e a modificação da morte, vi o Aleph, de todos os pontos, vi no Alpeh a terra, e na terra outra vez o Aleph e no Aleph a terra, vi o meu rosto e as minhas vísceras, vi o teu rosto e senti vertigem e chorei, porque os meus olhos tinham visto esse objecto secreto e conjecturai cujo nome os homens usurpam, mas que nenhum homem olhou: o inconcebível universo”.

Outros Alephs
“Quero acrescentar duas observações: uma, sobre a natureza do Aleph; outra, sobre o seu nome. Este, como se sabe, é o da primeira letra do alfabeto da língua sagrada. A sua aplicação ao círculo da minha história não parece casual. Para a Cabala, essa letra significa o En Soph, a ilimitada e pura divindade; também se disse que tem a forma de um homem que assinala o céu e a terra, para indicar que o mundo inferior é o espelho e o mapa do superior; para a Mengenlehre, é o símbolo dos números transfinitos, nos quais o todo não é maior que qualquer das partes. Eu queria saber: Carlos Argentino escolheu esse nome, ou leu-o, aplicado a outro ponto para onde convergem todos os pontos, em algum dos inúmeros textos que lhe revelou o Aleph da sua casa? Por incrível que pareça, acredito que exista (ou que tenha existido) outro Aleph, acredito que o Aleph da Rua Garay era um falso Aleph. Dou as minhas razões. Por volta de 1867, o capitão Burton exerceu o cargo de cônsul britânico no Brasil; em Julho de 1942, Pedro Henríquez Ureña descobriu numa biblioteca de Santos um manuscrito seu que ver­sava sobre o espelho que atribui o Oriente a Iskandar Zu al-Karnayn, ou Alexandre Bicorne da Macedónia. No seu cristal reflectia-se o universo inteiro. Burton menciona outros artifícios semelhantes — o sétuplo cáli­ce de Kai Josrú, o espelho que Tárique Ibne Ziade encontrou numa torre (As Mil e Uma Noites, 272), o espelho que Luciano de Samósata pode examinar na Lua (História Verdadeira, I, 26), a lança especular que o pri­meiro livro do Satíricon de Capela atribui a Júpiter, o espelho universal de Merlim «redondo e oco e semelhante a um mundo de vidro» (The Faerie Queene, III, 2, 19) — e acrescenta estas curiosas palavras: «Mas os anteriores (além do defeito de não existirem) são meros instrumentos de óptica. Os fiéis que acorrem à mesquita de Amr, no Cairo, sabem muito bem que o universo está no interior de uma das colunas de pedra que rodeiam o pátio central... Ninguém, é claro, pode vê-lo, mas os que aproximam o ouvido da superfície declaram ouvir, ao fim de pouco tem­po, o seu atarefado rumor... A mesquita data do século vil; as colunas procedem de outros templos de religiões pré-islâmicas, pois como escre­veu Abenjaldun: «Nas repúblicas fundadas por nómadas, é indispensável o concurso de forasteiros para tudo o que seja alvenaria.» Existe esse Aleph no íntimo de uma pedra? Tê-lo-ei visto quando vi todas as coisas e esqueci-o? A nossa mente é porosa para o esquecimen­to; eu próprio começo a falsear, sob a trágica erosão dos anos, os traços de Beatriz”.

Para amanhã me comprometo com as primeiras anotações sobre a fenomenologia em Husserl,  em Sartre e Bachelard. E ainda alguma coisa mínima sobre "O Duplo" e a segunda lâmina do Tarô de Marselha: A Sacerdotisa.

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