sexta-feira, 15 de abril de 2011

O Sortilégio da mariposa III - Primeiro ato


O Sortilégio da Mariposa
(Comédia em dois atos e um prólogo)

Federico García Lorca (1919)

Primeiro Ato

Cena I
A Conversa entre Dona Barata e a Barata Nigromântica

É uma manhã rubra em um prado verde e humilde. Toda a primeira indicação cênica segue as orientações já indicadas no Prólogo: humildade, pequenez, invisibilidade, ingenuidade... Todo o lugar se apresenta "como um minúsculo e fantástico povoado de buracos". Impossível não pensar num universo em miniatura, aliás bastante coerente com as personagens em cena: representações de insetos. Dona Barata sai de sua "casa" para a limpeza do quintal e encontra a Barata Nigromântica, que, com grande abatimento de alma, revela um sonho que teve na noite anterior: era "uma flor na relva afundada". Disse ainda que na tarde anterior, recebera de uma andorinha a informação de que "todas as estrelas irão se apagar". Disseram-lhe ainda as cigarras que uma fada havia morrido. Questionada por Dona Barata, a Nigromântica respondeu que quem matou teria matada foi o amor. Rompe-se essa assunto para introduzir outro: o filho de Dona Barata, que ambas acham triste nos últimos dias. Dona Barata revela que ele está enamorado. Despedem-se se criticando: a outra, a vida prática de uma; uma, a poesia da outra. A Nigromântica se vai, deixando a Dona Barata varrendo e cantando misteriosos versos em redondilhas.

Cena II
A Conversa de Dona Barata com a Baratinha Sílvia
Entre em cena a Baratinha Sílvia, apaixonada pelo filho de Dona Barata e reclamando sua sorte, por saber não tocar o coração do amado. Sílvia está deprimida e vendo-se zombada por Dona Barata revela-lhe o objeto de seu amor. Dona Barata muda de tom e promete que fará seu filho a amar. Não por mais nada que não seja a riqueza da família de Sílvia. A cena termina com Dona Barata indo chamar seu filho e Sílvia, renovada, querendo ser rainha daqueles prados, pois que tem amor e riqueza.

Cena III
A Apresentação de Baratinho
"Baratinho, o Nenen, é um rapaz gentil e elegange, cuja originalidade consiste em pintar as pontas de suas antenas e a para direita com pólen de açucena. É poeta e visionário que, instruído pela Barata Nigromântica, de que é discípulo, espera um grande mistério que há de decidir sua vida... Traz em uma de suas patas - mãos - um pedacinho de cortiça de árvore onde estava escrevendo um poema... Dona Barata vem a seu lado, exaltando a fortuna de Sílvia. Esta se dedica a galantear com a margarida de um lado para o outro, e, colocando uma patinha na cara, suspira, arrebatada. O sol já está quimando"
O rapaz insiste com mãe sobre a decisão de que não se casará. Informa ainda que não gosta de Sílvia e só se casaria por amor. Dona Barata insiste na riqueza de Sílvia, relativiza o amor e vai para dentro de casa, cozinhar, deixando os dois em cena.

Cena IV
A Conversa de Baratinho com a Baratinha Sílvia

Baratinho, sentado perto de Sílvia, lê um trecho de poema, e é elogiado por ela. Sílvia que busca o amor, sem cessar.  Baratinho defende que o amor é bem difícil de encontrar. Baratinho informa que está apaixonado por uma estrela que se parece com uma flor e que mora na sua imaginação. Baratinho diz com todas as letras que não quer Sílvia, em que pese ter sido carinhoso com ela um dia. Sílvia quer chorar e Baratinho a consola, bem junto junto, quando duas outras Baratinhas passam por eles, brincando e os chamando de noivos. Baratinho acha triste a situação. 

Cena V
Lacrauzito, o Corta-Vime, a parece: grande desconforto

"Lacrauzito é um velho lenhador que vive no bosque e que frequentemente desce ao povoado para embriagar-se. É glutão insaciável e pessoa má. Fala com voz aguardentosa".
Lacrauzito está completamente bêbado e é extremamente incoveniente e ameaçador. Parece sentir prazer em ameaçar e causar medo. Ao final da cena, após muito aporrinhar, está caído de bêbado. Então surge como que uma procissão de Baratas Camponesas, que carregam nos braços uma Mariposa ferida em uma das asas. Teria sofrido uma queda. Com elas vêm a Barata Nigromântica, que compara a Mariposa a uma estrela caída e agradece a honra de poder tratá-la. Dona Barata traz ervas e Baratinho está visivelmente comovido. Sílvia informa à mãe, Dona Orgulhos, que Baratinho não a quer. Dona Orgulhos se declara sem meios de agir e desdenha da aparência de Baratinho, "tão pintado e tão medonho". A Mariposa suspira e diz que quer voar e, misteriosamente, "o fio é extenso". "O fio vai à estrela/onde está meu tesouro;/minhas asas são de prata,/meu coração é de ouro;/o fio sonhando está/com seu vibrar de bezouro...". Lacrauzito é a morte. Baratinho é o amor. O que é a Mariposa? O fio? A cena termina com as Baratas Camponesas conduzindo a Mariposa para dentro da casa de Dona Barata.

Cena VI
A Certeza de Baratinho e a sentença de Nigromântica
Baratinho confessa à papoula que já viu sua estrela misteriosa. Lacrauzito: morte, morte, morte... A certeza: "meu coração se queixa/dum amor que já sente". A sentença: "Baratinho, teu viver/depende das asas dessa grande mariposa./Não a fites com ânsia porque te podes perder,/quem o diz é tua amiga, já velha e achacosa./ Este círculo mágico o diz bem claramente./Se dela te enamoras, ai de ti, morrerás./Cairá na tua pobre fronte a noite ingente./A noite sem estrelas, onde te perderás./Medita até a tarde". A Barata Nigromântica faz com um palito um círculo no chão. Baratinho parece estar diante da vida e da morte e do fio que as liga. Baratinho chora. Cumprida sua missão, Lacrauzito, aos tombos, vai-se embora, cantando. "A centa está cheia de luz".

Nenhum comentário:

Postar um comentário