sábado, 13 de agosto de 2011

Dia dos pais


Atacado pela mídia por todos os lados nestes dias, sucumbi. Vou escrever qualquer linha sobre as impressões que guardo do meu pai. Antes de mais nada será preciso dizer que ele já fez a grande viagem para quem está vivo: morreu a 31 de outubro de 1980. De alguma forma, sou mais velho que ele, hoje. Meu pai não morreu no mar, nem em pérola ou coral se fez, nem descansa a trinta pés como na canção de Ariel, de Shakespeare. Mas os sinos ainda dobram por ele. Em mim, por exemplo.

Depois, devo acrescentar que meu pai era a ignorância em pessoa. Uma ignorância simples, corajosa e ousada. Simples, porque resolvia, como pudesse, as coisas do dia que vivia – as do dia seguinte iriam esperar até que amanhã chegasse; corajosa, porque jamais vi medo em seus olhos; ousada, porque seu caminho – da roça para a cidade pequena e depois para a cidade grande – foi decidido por ele, sem dinheiro algum, com o propósito sempre de possibilitar educação aos filhos. Cada livro que manipulo me traz sua memória.  Lembro-me de vê-lo se dirigir à porta do meu quarto e, olhando para as pilhas de livros que me rodeavam, quase chorar. Sou capaz de afirmar que meu pai nunca leu um livro da chamada grande literatura. Lia muito aqueles livrinhos de bolso, com histórias de cowboys americanos, acho que todos escritos por autores brasileiros com pseudônimos ingleses.

Ainda creio que morreu em função de um último traço de sua ignorância: a violência. Atenção, porém: a sua violência era o silêncio. A intransponível decisão incomunicada, a desnecessária comunicação. Não sei se a concepção se estendia a ele mesmo, mas meu pai achava que as pessoas já nasciam sabendo, já nasciam sendo, nada mais adiantando fazer. Muito menos conversar. Um silêncio que conheço bem, porque trago comigo, como parte da herança simbólica. O que me faz lembrar meu pai sou eu mesmo, minha saudade, e a vontade de reencontrá-lo para uma conversa de homem para homem, que nunca tivemos.

4 comentários:

  1. Sucumbiste e foste muito feliz...
    Quebraste o silêncio nestas palavras e me emocionei, também eu tentei não escrever sobre este dia, que considero mais comercial do que sentimental, mas tbm eu sucumbi, e quando li vc aqui senti que a falta que sinto ser a maior no mundo de hoje é o que de mais importante você descreveu aqui, seu pai como seu modelo de homem honrado, apesar dele ser como era, incentivador do seu crescimento a qualquer custo, e depois orgulhoso do seu filho!

    Parabéns pelo escrito, para bem por este dia!
    beijos no coração

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  2. Vou postar depois outras fotos de mulungus para você ver. Por incrível que pareça, achei aquela flor depois de muita procura. Depois descobri que na porta da minha havia dois pés pequenos e no fundo de meu quinal um enorme e todo florido.Obrigado por seguir o flor do lácio.

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  3. Ana Roos, obrigado pela visita e pelo comentário. Visita e comentário que emocionaram também. Meu pai morreu muito cedo; eu tinha 16 ou 17. Algum psicanalista vai dizer que eu não tive tempo de "matá-lo". Tá vendo como meu pai tinha razão? Não dá mesmo pra conversar...

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  4. Flor do Lácio, eu procuro seguir os bons. Espero por mais imagens de mulungus. Não me foi concedido o privilégio de tê-los em meu quintal de hoje. Se os tive em outros, "não existiram", pois não os vi. Pena. Obrigado pela visita.

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