domingo, 7 de agosto de 2011

Folhetim V

5

Numa manhã, sentei-me no degrau da varanda, num ponto que me possibilitasse ouvir a conversa do velho com seu amigo. Percebi logo duas coisas que me causaram estranhamento: primeiro, vi que estava do lado da roseira, para junto da qual fui parar sem atinar nisso; segundo, a “conversa” não se tratava exatamente de um diálogo, porque era só o velho que falava. O outro tomava algumas muitas notas. Numa espécie de epifania, descobri que aquele lugar estava perfeitamente descrito pelas palavras do velho, como se fossem elas o seu criador. Tudo ali, a casa, seus moradores, móveis, armas, tudo estava nas palavras do velho.

Como se fosse um deus, ele dizia e as coisas eram tal qual ele dizia. Ele falava e eu conferia: era. No mínimo, parecia muito. Assustei-me: eu não tinha mais dúvidas sobre o lugar onde estava: tratava-se de um labirinto. Tinha à minha volta cerca de 1500 caminhos possíveis, que tinha ouvido daqueles que também estavam estudando a casa. Um desses caminhos me levaria à saída, mas, como é clássico em situações como essa, esquecia-me de mim. Não me lembrava sequer de meu nome, às vezes. Na verdade, como se diz, nesses casos desaparecem todos os nomes e o tempo é submetido ao espaço. Eis o espaço do labirinto, e era onde eu me encontrava. Só pensava na saída. A saída.

Lembrei-me de Teseu e de Ariadne e concluí que o meu fio era tecido pelas palavras daquele velho. Elas me tirariam dali pela revelação do lugar onde estava.

2 comentários:

  1. ahhh, rolou um intertexto com o borges aí, vai.

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  2. Pam, essas coisas são sempre possíveis, mas "there are more things". A biblioteca? Pierre Menard... O labirinto? Não saberia dizer. O tempo como dimensão do espaço? Vamos a ver.

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