quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Páramo

Imagem colhida de um dos salões da Gruta de Maquiné

"Não me surpreenderia, com efeito, fosse verdade o que disse Eurípides: 'Quem sabe a vida é uma morte, e a morte uma vida?'" PLATÃO, "GÓRGIAS"

"SEI, IRMÃOS, que todos já existimos, antes, neste ou em diferentes lugares, e que o que cumprimos agora, entre o primeiro choro e o último suspiro, não seria mais que o equivalente de um dia comum, senão que ainda menos, ponto e instante efêmeros na cadeia movente: todo homem ressuscita ao primeiro dia.
Contudo, às vezes sucede que morramos, de algum modo, espécie diversa de morte, imperfeita e temporária, no próprio decurso desta vida. Morremos, morre-se, outra palavra não haverá que defina tal estado, essa estação crucial. É um obscuro finar-se, continuando, um trespassamento que não põe termo natural à existência, mas em que a gente se sente o campo de opração profunda e desmanchadora, de íntima transmutação precedida de certa parada; sempre com uma destruição prévia, um dolorido esvaziamento; nós mesmos, então, nos estranhamos. Cada criatura é um rascunho, a ser retocado sem cessar, até à hora da liberação pelo arcano, a além do Lethes, o rio sem memória. Porém, todo verdadeiro grande passo adiante, no crescimento do espírito, exigie o baque inteiro do ser, o apalpar imenso de perigos, um falecer no meio de trevas; a passagem. Mas o que vem depois, é o renascido, um homem mais real e novo, segundo referem os antigos grimórios. Irmãos, acreditem-me".

JOÃO GUIMARÃES ROSA, no ínicio do conto "Páramo", de Estas estórias, em que trata da experiência da "morte parcial". O relato tem cunho autobiográfico e se refere ao tempo em que serviu como Secretário da Embaixada Brasileira em Bogotá, na Colômbia, entre 1943-45, a 2.600 metros de altitude.

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