terça-feira, 10 de abril de 2012

O espaço sagrado I



“De fato, a noção de espaço sagrado implica a ideia da repetição da hierofania primordial que consagrou este espaço transfigurando-o, singularizando-o, em resumo, isolando-o do espaço profano a sua volta. (...) Um espaço sagrado assenta  a sua validade na permanência da hierofania que, em dada altura, o consagrou. (...) O lugar transforma-se, assim, numa fonte inesgotável de força e de sacralidade que permite ao homem, na condição de que ali penetre, tomar parte nessa força e comungar nessa sacralidade. Tornando-se essa intuição elementar do lugar, pela hoerofania, um ‘centro’ permanente de sacralidade, ela orienta e explica todo o conjunto de sistemas muitas vezes complexos e densos. Mas, por muito variados e diferentemente elaborados que sejam os espaços sagrados, todos eles oferecem um traço comum: há sempre uma área definida que torna possível (sob formas aliás muito variadas) a comunhão na sacralidade.
(...)
Na realidade, a continuidade dos lugares sagrados demonstra a autonomia das hierofanias; o sagrado manifesta-se segundo as leis da sua dialética própria e esta manifestação impõe-se ao homem de fora. Supor que a ‘escolha’ dos lugares sagrados é deixada ao próprio homem é, ao mesmo tempo, tornar inexplicável a continuidade dos espaços sagrados.
(...)
De fato, o lugar nunca é ‘escolhido’ pelo homem; ele é, simplesmente, ‘descoberto por ele’, ou, por outras palavras, o espaço sagrado revela-se-lhe sob uma ou outra forma. A ‘revelação’ não se produz necessariamente por intermédio de formas hierofânicas diretas (este espaço, esta nascente, esta árvore, etc.); ela é obtida, por vezes, através de uma técnica tradicional saída de um sistema cosmológico e baseado nele. A orientatio  é um dos processos usados para ‘descobrir’ os lugares.
(...) Mas, em todos os casos, o lugar é regularmente indicado por alguma coisa diferente, seja uma hierofania fulgurante, seja pelos princípios cosmológicos que fundamentam a orientação e a geomancia, ou ainda, em forma mais simples, por um ‘sinal’ carregado de uma hierofania, geralmente um animal”.

MIRCEA ELIADE, em Tratado de história das religiões, Martins Fontes, 2010, p.296-297.

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