terça-feira, 1 de maio de 2012

Geografia do texto


 Foto: Eduardo Andreassi

Há dois posicionamentos clássicos, já se sabe. O primeiro é aquele em que o homem está na cadeira no canto do quarto, na bancada em frente da parede, com um computador ou com um ou mais livros entre eles, digo, entre ele e o limite físico espacial, figurado na parede. O segundo não se deixa descrever com tanta facilidade: dilui-se, orvalha, sai de si, não conhece fronteiras no campo da ciência, como é praticada em sua forma hegemônica. Para esse segundo posicionamento todos os objetos, inclusive o próprio corpo do homem, passam a ser suporte para a ordenação possível, incansavelmente buscada. Eu a busco nos mitos, na fase pré-lógica da humanidade. Por isso as artes. Pela ordem: a literatura, a prosa, o romance.

Entre esses dois espaços, a impressão que se tem é a de que o que se faz é invenção, sempre. Não há garantia de relação explícita, além daquela do trânsito, ou movimento de sentidos que fluem de um ao outro ou o contrário. Está claro, penso, que o território, como o concebemos hoje, apenas tardiamente, passa a fazer parte das preocupações humanas. O estado-nação de hoje contempla placidamente as noções de “povo”, “língua/literatura”, “nação” e “soberania sobre um território”. Devo dizer logo, então, que os pastos do Sertão não conheciam cercas. Essa ausência de demarcações exige um olhar para os coletores e caçadores, de tempos imemoriais, sempre em movimento pelo Grande Espaço, fonte de alimento e abrigo e, depois, de brigas.

Aqui começamos. Eu não duvido que todos os sentimentos dos coletores e caçadores pré-neolíticos ainda habitam o homem de hoje, mesmo aquele que negocia ações na bolsa de Nova Iorque ou Tóquio, ou aquele que escreve livros de História.  Lembro-me de Câmara Cascudo, assustado, em Civilização e Cultura, com a simplicidade com que os historiadores passam da Pré-História para  História.  Creio que há mesmo um ano sendo citado: cerca de 4000 aC. Antes, aquilo; depois, isso. A duração deste instante foi de milhões de anos! Quanto se passou pelo pensamento do homem, nas milhões de tardes, depois das caçadas, na porta das cavernas, ao som do crepitar do fogo, no contar e ouvir as estórias do dia? Quantos medos e assombros! O ruído que passou por lá, tenho certeza, ainda está passando, hoje mesmo. A minha profissão de fé é a de ver a sombra na luz. Talvez a ação nem seja mesmo a de ver. O poeta é quase sempre um "cego", mas é o que adivinha. Outro, um psicanalista, disse: "Onde quer que eu vá, descubro que um poeta esteve lá antes de mim". Prossigo, então, sem ser poeta mas meio cego, querendo saber o que havia, antes dos mouros.

Nenhum comentário:

Postar um comentário