terça-feira, 17 de junho de 2014

Fabulosa Minas



Eis a espada, eis a ponte, eis a montanha
sobre a qual se recorta a igreja branca.

Eis o cavalo pela verde encosta.
Eis a soleira, o pátio, e a mesma porta.

E a direção do olhar. E o espaço antigo
para a forma do gesto e do vestido.

E o lugar da esperança. E a fonte. E a sombra.
E a voz que já não fala, e se prolonga.

E eis a névoa que chega, envolve as ruas,
move a ilusão de tempos e figuras.

̶   A névoa que se adensa e vai formando
nublados reinos de saudade e pranto.

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Imagem: Ouro Preto by Morio
Texto: Cecília Meireles no Romanceiro da inconfidência

segunda-feira, 2 de junho de 2014

homem no espelho



Olhei a palma da minha mão e foi lá que – na falta de palavra melhor – vi: a total e imensa escuridão da terra onde nasci. Eu estava no café, como de costume naquele horário. Uma das mãos segurava o jornal; os olhos, segundos antes olhavam fixamente pela vidraça, cuja transparência a chuva havia diminuído.

O homem de bigodes – o homem de bigodes e de chapéu panamá marrom – desce, olhos fixos no chão, e lentamente, a rua estreita. São seis horas e uns tantos minutos da tarde e a chuva fina criava uma superfície brilhante sob as últimas luzes do dia. O homem parecia caminhar sobre um piso envidraçado. Espelho. Na mão esquerda a bengala; a direita, escondida no bolso do paletó preto.

O homem atravessou a rua para a calçada do lado do café onde eu estava e o vi entrar na locadora de filmes. Minha mão; um passado obscuro; jornal; a vidraça... E já o homem saía da loja, levando três ou quatro filmes: não se podia ver com nitidez, pois a noite vinha se adiantando. O homem fez o seu caminho de volta: talvez jamais saberei se levava os filmes para alguém, se ele mesmo a eles assistiria sozinho, se o faria com sua companheira, se teria alguém a esperar por ele em casa. Se voltava para casa ou se se dirige a algum hotel próximo... Talvez.

Instantes depois, eu mesmo saía da locadora, levando para casa, para ver pela primeira vez, filmes a que já eu havia assistido.

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Imagem: Fotografia de German Lorca
Texto: Gilson.